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21 de março de 2019 - Ano 10 - Nº 520
Carreira
 

Da gestão com valores mais femininos ao capitalismo consciente
Líderes conscientes desenvolvem flexibilidade para utilizar tanto as qualidades masculinas quanto as femininas


Características associadas ao feminino, como cuidado, adaptabilidade e intuição, estão fazendo falta nas empresas para torná-las mais harmoniosas e íntegras. Essa é a ideia central da liderança Shakti, filosofia que vem ganhando adeptos no Brasil ao defender a necessidade de reduzir, na forma de agir e de pensar dos gestores, a predominância de atributos tidos como masculinos.

"Tanto os homens quanto as mulheres foram condicionados a valorizar características de liderança que tradicionalmente são consideradas masculinas: hierárquica, individualista e militar", afirma o livro Liderança Shakti, dos indianos Nilima Bhat, criadora da filosofia, e Raj Sisodia, líder do movimento "Capitalismo Consciente", que dissemina a mentalidade de que os negócios devem ter um propósito maior que o lucro. "Nós reanimamos um arquétipo feminino de liderança: regenerador, cooperativo, criativo e empático", acrescentam os autores.

Nilima veio ao Brasil para participar da Conferência Latino-Americana sobre Capitalismo Consciente, que foi realizada em São Paulo nos dias 19 e 20 de março. Os dois movimentos se aproximaram por conta dos vários pontos de convergência, especialmente a constatação de que o cenário corporativo tem sido corroído pela busca do lucro a qualquer custo e os fatores humanos têm sido deixados em segundo plano. As consequências para os profissionais incluem um sentimento recorrente de frustração e o alto índice de problemas de saúde, sintomas que, para Nilima e Raj, são em grande parte resultado do desequilíbrio entre o masculino e o feminino.

"A sabedoria e a perspectiva única de mais da metade da humanidade vêm sendo excluídas ao longo do tempo para que não influenciem a forma como vivemos e trabalhamos", disse Nilima em entrevista ao Valor. Determinadas características foram sendo associadas ao masculino e ao feminino ao longo dos tempos por uma soma de influências biológicas, sociais, políticas e culturais. No mundo corporativo, os atributos mais praticados são aqueles associados ao arquétipo masculino. Em um meio dominado por homens, muitas características classificadas como femininas são reprimidas por serem vistas como inadequadas e indesejáveis.

A filosofia Shakti propõe que os líderes, de ambos os gêneros, desenvolvam essas características em busca de maior integridade pessoal e da construção de um cenário mais humano nas empresas, em que manifestações de sensibilidade não sejam interpretadas como sinais de fraqueza. Um cenário em que os homens não tenham vergonha de demonstrar vulnerabilidade e as mulheres que chegam a posições de comando não sejam constrangidas a adotar posturas masculinas para serem respeitadas e valorizadas.

A filosofia recebeu o nome de Shakti por inspiração da tradição iogue, que propõe, como objetivo da jornada humana em busca de uma existência plena, a combinação sinérgica da dualidade feminino-masculino, representados por Shakti e Shiva. Nilima ressalta não se tratar de "guerra dos sexos" ou de um julgamento do que é melhor ou pior, e sim da exploração do lado positivo que tanto a energia masculina quanto a feminina têm a oferecer quando utilizadas com sabedoria. "As pessoas tendem a ficar presas em um dos lados. Líderes conscientes desenvolvem flexibilidade para utilizar tanto as qualidades masculinas quanto as femininas, dependendo das circunstâncias", descreve.

Classificando-se como "facilitadora de transformações", Nilima diz que sua missão é ajudar as pessoas e as corporações a encontrarem mais harmonia. Depois de ter feito carreira nas áreas de comunicação e relações públicas em grandes empresas, incluindo Philips e ESPN, e de ter trabalhado em vários lugares do mundo, ela estava à procura de mais significado e propósito para a carreira quando o marido foi diagnosticado com câncer, em 2001. Voltou-se à espiritualidade, encontrando na ioga uma filosofia de vida - até então, ela não tinha uma ligação mais próxima com as tradições indianas.

O marido se curou e os dois escreveram juntos o livro My Cancer is Me, além de abrir uma clínica de prática integrativa de medicina e uma consultoria de liderança. Assim, ela acabou sendo conduzida naturalmente a um novo caminho profissional. "Comecei a estudar várias práticas de enfrentamento de crises e me perguntava como alguém poderia agir conscientemente para mudar sem esperar por uma crise, como aconteceu comigo. Sem ser necessariamente pelo sofrimento", lembra. Depois da publicação do livro sobre a filosofia Shakti, em 2016, ela passou a viajar pelo mundo levando sua mensagem, conquistando clientes como Microsoft e Vodafone.

Os princípios Shakti são em grande parte baseados na revisão do conceito de poder - tradicionalmente visto, sob a visão masculina, como um recurso limitado, que precisa ser sempre tirado de alguém para ser conquistado. Nilima defende a ideia de poder como algo que pertence à pessoa e que a acompanha aonde ela for, desvinculado de circunstâncias passageiras como o cargo ocupado. "O poder verdadeiro é aquele exercido 'com' os outros, e não 'sobre' os outros", define.

Fonte: Valor Econômico – Maurício Oliveira.