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1 de agosto de 2019 - Ano 10 - Nº 539
Carreira
 

No trabalho, algumas habilidades serão essenciais, outras irrelevantes
Criatividade será a habilidade que mais crescerá em importância

O contexto desenhado pela adoção da inteligência artificial vai tornar algumas habilidades mais importantes enquanto outras perderão espaço para sistemas automatizados. Especialistas concordam que será preciso entender mais de tecnologia independentemente da área em que se atua, mas também afirmam que competências socioemocionais serão ainda mais valorizadas.

"A gente vai sair do processual e do repetitivo e vai para o criativo e o analítico em profundidade. Isso demanda uma sensibilidade que a inteligência artificial não vai desenvolver tão cedo", diz Samantha Mazzero, do MBA internacional da Fundação Instituto de Administração (FIA). Para ela, o perfil mais valorizado vai combinar a capacidade analítica com competências comportamentais como comunicação e visão sistêmica.

Embora o mundo já tenha passado por transformações decorrentes da entrada de novas tecnologias no trabalho - no século XIX, trabalhadores ingleses conhecidos como luditas quebraram máquinas de tecelagem como forma de protesto -, a maior diferença da atual revolução industrial, na opinião de Fernanda Mayol, sócia da McKinsey, é a velocidade. "Essa transição está acontecendo muito mais rapidamente, e isso coloca o desafio de recapacitar as pessoas no mesmo ritmo", diz.

Um estudo da McKinsey feito no ano passado nos EUA e em 14 países europeus listou 25 habilidades diferentes e identificou como a adoção de tecnologias vem mudando a combinação demandada pelas empresas. A partir de dados relativos ao período entre 2002 e 2016, a consultoria estimou quais competências se tornarão mais ou menos importantes até 2030.

Segundo os resultados, o crescimento mais significativo será na demanda por habilidades tecnológicas, uma tendência que não é nova. O instituto Brookings aponta que, em 2002, mais de metade das ocupações tinha baixa exigência de conhecimentos digitais - caso de cozinheiros e pedreiros - mas já em 2016 essa proporção havia caído para menos de um terço. Ao mesmo tempo, ocupações com alto nível de digitalização pularam de 5% para 23%, enquanto as com exigência média passaram de 40% para 48%. Entram aqui advogados e enfermeiros, cujas atividades se tornaram mais digitalizadas.

De acordo com a McKinsey, no entanto, a adoção de inteligência artificial vai acelerar essa tendência na próxima década. Atividades relacionadas à tecnologia foram responsáveis por 73 bilhões de horas trabalhadas em 2016, número que o estudo estima que vá crescer 55% até 2030. O maior salto aconteceria na demanda por competências avançadas, como programação, mas o segundo maior salto seria nas habilidades digitais básicas - no geral, ser capaz de usar os programas necessários para realizar os mais diferentes tipos de trabalho. "Vai ser difícil não estar preparado para aprender mais tecnologia, mas isso vai acontecer em diferentes níveis", diz Fernanda.

O tempo trabalhado usando competências comportamentais deve crescer 24% até 2030. A demanda mais significativa será por empreendedorismo, iniciativa e gestão, bem como empatia e uma capacidade avançada de se comunicar e negociar. São competências necessárias tanto para o trabalho autônomo quanto para a colaboração em equipes, dois pontos destacados por especialistas como tendências. Leni Hidalgo, professora do Insper, aponta que esse cenário se torna mais importante à medida que empresas adotam novas metodologias de gestão, que reúnem profissionais de várias áreas em equipes multidisciplinares. "Nessas células, eu tenho uma expertise profunda, mas ao mesmo tempo preciso ser capaz de fazer articulação em rede", diz.

A pesquisa aponta ainda o crescimento na demanda por habilidades cognitivas mais avançadas, que devem ter seu uso ampliado em 8%. Aqui entram a criatividade, a que mais crescerá em importância, e o processamento complexo de informações, relacionado, por exemplo, à necessidade de estar ciente de tendências de mercado ou de saber explicar detalhes de produtos a consumidores. "Hoje já se fala muito em saber resolver problemas complexos, ter uma visão mais sistêmica e assim encontrar funções mais criativas", diz Poliana Abreu, diretora da HSM Educação Corporativa.

Ao mesmo tempo, segundo a McKinsey, a capacidade cognitiva básica deve diminuir as horas trabalhadas em 15% até 2030. Entre as tarefas que perderiam espaço para os robôs estariam receber pedidos, fornecer informações básicas a consumidores, bem como fazer matemática simples e manter registros operacionais. A inserção e o processamento básico de dados é a competência que mais apresentou queda na demanda, entre as 25 habilidades mapeadas.

O uso de habilidades físicas e manuais, que contabilizaram o maior número de horas trabalhadas em 2016 (203 bilhões), deverá diminuir em 14%, mas ainda deve ocupar o maior tempo de trabalho no futuro. As capacidades de operar equipamentos e de inspecionar e monitorar resultados aparecem como as que mais perderão espaço, à medida que as máquinas adotam tecnologias inteligentes que realizam essas tarefas automaticamente. Mas, ao mesmo tempo, o envelhecimento da população vai ampliar a necessidade de trabalho manual e físico no setor de saúde, por exemplo.

Fonte: Valor Econômico – Letícia Arcoverde.