“Por que tudo é branco?”, pergunta Muhammad Ali em entrevista de 1971 que anda pipocando nas redes sociais desde a morte de George Floyd.
O boxeador estava falando com Michael Parkinson, apresentador de um programa de entrevistas, que perguntara a Ali quando fora a primeira vez que ele tomara consciência do racismo. Ali disse que costumava fazer a pergunta do primeiro parágrafo à mãe quando tentava entender porque na língua inglesa abundavam figuras de linguagem racistas que exaltavam a brancura e depreciavam a negrura.
Penso nesse vídeo sempre que um CEO lança um comunicado ou publica algo nas redes sociais enaltecendo o repentino abrir de olhos após a morte de Floyd. Depois de anos sem perceber que a organização deles tinha problemas de diversidade, muitos gigantes empresariais dizem: não fizemos o suficiente e promoveremos mudanças.
As companhias vêm se acotovelando para propagandear sua indignação. Empresas como Nike, Goldman Sachs e Amazon doaram milhões de dólares para grupos antirracismo. Jamie Dimon, CEO do J.P. Morgan, agachou-se sobre um joelho, no que alguns interpretaram como um gesto de solidariedade.
Gostaria de acreditar que tudo isso prenuncia mudanças reais. Na maioria das empresas, no entanto, isso me soa mais como um alarde sobre virtudes do que uma mudança na forma como lidam com os problemas por trás do racismo institucional.
Anand Giridharadas, escritor e crítico das políticas de relações públicas das empresas, descreve o fenômeno dizendo que as companhias estão querendo mostrar uma “cara negra”. Grandes empresas “estão se apressando em declarar-se no lado da justiça racial, no lado do ‘Vidas Negras Importam’, mas sem mudar as estruturas subjacentes que em primeiro lugar tornam precária a vida dos afro-americanos”.
Ele diz que as empresas poderiam fazer lobby a favor de melhores práticas laborais para funcionários de baixa remuneração ou optar por pagar mais impostos para permitir que o governo trabalhe melhor, algo que poderia incrementar a qualidade das escolas públicas.
Vejamos o Facebook, que tem mais poder do que muitos governos. Mark Zuckerberg asseverou em blog no mês passado que as “vidas negras importam” e esquematizou como a companhia iria melhorar seus “produtos e políticas”.
Recentemente, porém, o Facebook divulgou um relatório incriminador sobre como tem feito o oposto. Uma auditoria de dois anos concluiu que as decisões da empresa provocaram “sérios contratempos” para os direitos civis e que ela não havia se empenhado o suficiente para enfrentar os crimes de ódio em sua plataforma.
O Facebook é alvo de um boicote de anunciantes. Embora Zuckerberg venha se mostrando compreensivo com as marcas e os grupos de defesa dos direitos civis, foi noticiado que ele disse aos funcionários que os “anunciantes não tardarão a voltar”, em seu comentário mais honesto.
Os investidores da empresa não estão se afastando. As ações valem mais do que há um mês. A desconexão entre a prática privada e a postura pública não é exclusividade do Facebook. O que os líderes empresariais deveriam fazer se quisessem enfrentar o racismo para valer?
Primeiro, precisam agir agora. Momentos como o atual oferecem uma janela de oportunidade para promover mudanças significativas. Segundo, comunicar-se melhor. Cada interação será esquadrinhada, cada ofensa será magnificada.
Líderes de empresas internacionais também precisam estar preparados para reações contrárias quando assumem posições morais em algumas regiões. Em Hong Kong, parte do pessoal criticou a decisão de empregadores de apoiar o “Vidas Negras Importam”, enquanto se recusavam a defender o movimento pró-democracia.
Terceiro, é preciso criar uma cultura na qual os funcionários de minorias sintam-se à vontade para falar sobre discriminação no trabalho. Isso exige mais do que apenas dizer a eles que suas portas estão abertas. Requer o engajamento dos funcionários de minorias pelos líderes de equipe.
Uma quarta medida é a remuneração. Um amigo, não branco, trabalha em uma empresa que diz querer repensar a questão racial. Ele é o executivo mais mal remunerado e, apesar da retórica, não há nenhum empenho em equipará-lo, o que é deplorável. A quinta medida é promover. É preciso colocar as minorias em posições de poder para que vejamos mudanças reais. Elas precisam estar na sala onde as decisões são tomadas, de forma que possam interferir.
Muhammad Ali compreendia isso. Depois de ganhar a medalha de ouro na Olimpíada de Roma voltou como um campeão americano. Ainda assim, por ser negro, recusaram-se a servi-lo em um restaurante. “Havia acabado de ganhar uma medalha de ouro e não conseguia comer no centro. ‘Há algo de errado”, contou.
Não é suficiente dizer que agora “você percebeu”. Executivos precisam questionar os fundamentos de suas empresas para determinar se estão fazendo mais mal do que bem. Do contrário, “há algo errado”.
Fonte: Valor Econômico – Ravi Mattu, colunista do Financial Times. |