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3 de setembro de 2020 - Ano 11 - Nº 592
Carreira
 

Inclusão racial
"Empresas têm medo de parecerem oportunistas com a pauta de igualdade racial"

A pandemia, especialmente após a repercussão do caso George Floyd, nos Estados Unidos, gerou maior interesse das organizações brasileiras pela inclusão racial, mas esta é uma agenda que avança devagar e é menos prioritária dentro das pautas de diversidade e tomada de decisão. A reflexão é de Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), associação sem fins lucrativos que atua para reduzir a desigualdade racial no mercado de trabalho. "Depois do que ocorreu, vimos lá fora e aqui uma pressão da própria sociedade para empresas se posicionarem e, internamente, agirem com relação à promoção racial. Mas, pelo menos no Brasil, elas têm botado o pé na piscina, mas ainda não mergulham", diz a executiva em entrevista ao Valor.

Nos últimos meses, segundo Luana, a demanda por treinamentos de inclusão no ID_BR aumentou 400%. "Antes da pandemia, costumávamos fazer de quatro a seis treinamentos com empresas. Agora, estamos com uma média de 30 por mês. Muitas empresas buscaram engajar a liderança nessa temática nos últimos meses. Vamos ver se é uma onda ou um avanço", diz Luana. As conversas com os CEOs e diretores, que agora ocorrem online, envolvem treinamentos sobre possíveis atitudes tóxicas, micro agressões de gestões e questões diversas envolvendo políticas de diversidade.

Segundo a executiva, há dúvidas sobre como se posicionar publicamente em relação à igualdade racial, realizar um diagnóstico de possíveis ações até como criar políticas de promoção para contratar, incluir e promover mais profissionais negros. "Muitas dessas empresas até possuem orçamento destinado para essa pauta, mas não apoiam ações públicas para a igualdade racial porque têm medo de serem taxadas publicamente de oportunistas", diz.

Para Luana, esse medo refletido em uma liderança majoritariamente masculina e branca é o principal entrave ao avanço da agenda de inclusão racial. Mas oportunista, em sua definição, é "reagir ao tema e parar no primeiro momento, sem desenvolver metas e políticas claras para que o número de funcionários negros aumente e cresça na organização". Para ela, é importante dar o primeiro passo, mesmo que inicialmente possa soar como oportunismo, mas fazê-lo de forma planejada, pensando no desenvolvimento dessa agenda ao longo de um ano. "Não adianta também criar uma caixinha preta lá e depois esquecer, sem fazer mais nada para desenvolver o funcionário", afirma.

Grande parte das organizações brasileiras, avalia Luana, não possui um autodiagnóstico a respeito de quantos funcionários negros existem em seu quadro. O instituto, por exemplo, oferece um questionário para esse diagnóstico gratuito. Das 10 empresas que o ID_BR já concedeu o selo de Igualdade Racial, que reconhece boas práticas nessa agenda, a maioria está no estágio que o instituto considera inicial para avanços. "Elas estão produzindo números, vendo quais áreas podem melhorar a inclusão e entendendo como podem estabelecer as metas e prazos. Uma segunda fase é criar engajamento em cima disso e olhar para área gerencial e C-Level. A terceira é levar essa pauta para toda a cadeia de valor", diz.

Luana começou a trilhar a sua trajetória como empresária quando era modelo internacional e, em um teste em uma agência em Paris, no final dos anos 2000, ouviu de um booker que suas chances eram pequenas, considerando que a moda não valorizava modelos negras. Ou valorizava, como ela descobriu, apenas em peças com temáticas relacionadas ao "exótico, a cores quentes para o verão ou que remetiam ao estereótipo criado em relação à África".

Naquela época, ela ouviu a frase que mudaria a sua vida, como conta em um LiveTalks, de 2016: "você é bonita, o único problema é que é negra". Foi quando ela começou a refletir, de forma mais intensa, as limitações que sofreu em sua vida no Rio de Janeiro pela cor da pele. Construiu um blog "o lado negro da moda" para refletir a desigualdade racial na representação publicitária e foi voluntária da campanha de Barack Obama, nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, realizou um mestrado em identidades étnico-raciais e começou as ações que seriam o embrião do ID_BR.

Nos últimos anos, também se envolveu no grupo Mulheres do Brasil e ajudou a fundar o Comitê de Igualdade Racial. "Até aquele momento, era um grupo de mulheres executivas brancas querendo discutir desigualdade de gênero, mas sem mulheres negras". Hoje, esse comitê é um dos que mais têm crescido nos grupo, diz Luana. Ela afirma, porém, que a pauta de igualdade de gênero ainda é "branca" e que muito do que se fala sobre a baixa inserção de mulheres em conselhos não está levando em conta metas para inserção de lideranças femininas negras. "As dinâmicas de gênero ainda ainda em descompasso. Precisamos tocar essas pautas simultaneamente e não pensar primeiro em como incluir as brancas e depois as negras. Porque, na verdade, isso já está ocorrendo", afirma.

Fonte: Valor Econômico - Bárbara Bigarelli.