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22 de outubro de 2020 - Ano 11 - Nº 599
Carreira
 

A errática busca pela perfeição nas organizações
Empresas forçam indivíduos a se tornarem parecidos

Nós indivíduos, somos obcecados pela perfeição. O mundo dos negócios é um ambiente perfeito para observar esse fenômeno. É fácil encontrar livros, artigos, blogs e vídeos que pretendem descrever as características chave ou fórmulas que conduzem ao sucesso.

Mas seja qual for a referência de líder perfeito, cultura perfeita, ou profissional perfeito, os anos têm mostrado que mesmo obras que pareciam eternas no fim são narrativas sensacionalistas com dados forçosamente encaixados para provar um arquétipo "vencedor". Mas as falhas são demonstradas ao longo do tempo, tanto por análises mais críticas de pesquisadores como pelo desempenho mediano das empresas logo após líderes terem sido retratados como modelos a serem seguidos.

Mesmo assim, a lista de princípios, comportamentos, atitudes, práticas e exercícios seguem sendo lançados, sempre "dessa vez" com a fórmula perfeita para se chegar lá. Mas o real efeito dessa obsessão não é tão direto como seus pregadores gostariam. Por trás disso, há uma concepção equivocada, linear, de como indivíduos funcionam.

Tentativas de conduzir ou interferir em comportamentos humanos frequentemente nos levam a consequências não intencionais. A busca de um modelo ideal pode, por exemplo, interferir na diversidade. Ao estabelecer suas próprias versões desses manifestos de perfeições, organizações forçam indivíduos a se tornarem parecidos.

Ferramentas como modelo de competências e habilidades, descrição do líder desejado ou mapas de culturas organizacionais têm um efeito aniquilador no que é diferente. Elas forçam a adoção de um padrão que, além do prejuízo social, limita e até exclui a manifestação das diferenças.

Outro exemplo de como é complicado interferir nos comportamentos humanos é o contra efeito psicológico nos indivíduos de julgá-los tendo modelos como referência. Esses modelos funcionam como mecanismos de frustração, já que ignoram ou ameaçam nossa imperfeição. Não à toa, transtornos mentais como depressão e crises de ansiedade têm crescido no ambiente empresarial. É interessante observar a incoerência, ou talvez ingenuidade com que executivos e consultores falam de conceitos como resiliência, anti-fragilidade ou vulnerabilidade, mas continuam a operar com padrões de gestão que bloqueiam a eventual possibilidade destes se manifestarem. Esses conceitos só são possíveis de serem desenvolvidos quando aceitamos nossas imperfeições.

Um dos sinais mais fortes de como a imperfeição ou a vulnerabilidade são rejeitadas são as estatísticas sobre suicídios. Ainda morrem duas vezes mais pessoas por conta de suicídio do que homicídio no mundo e para cada caso fatal existem pelo menos 25 tentativas. Direta ou indiretamente, uma das razões por trás desses números é o fato de as pessoas não conseguirem aceitar quem são.

O mês de setembro, por meio da campanha Setembro Amarelo, nos lembra esse lado real, vulnerável da nossa existência. Pedir para as pessoas serem resilientes ou vulneráveis nas organizações, sem ter um ambiente que aceite suas imperfeições só as força a assumir comportamentos estereotipados.

Somos um milagre da natureza, mas como tudo nela, nosso design biológico e psicológico nunca foi projetado para ser perfeito. E por mais contraintuitivo que seja, nossa imperfeição pode ser um poderoso instrumento de gestão. Navegadores sabem que a melhor forma de conduzir um barco é utilizando as direções do vento e das correntes a seu favor. Temos lutado contra o que somos. Mas isso não faz sentido, nem para indivíduos, nem para organizações.

Fonte: Valor Econômico - Cláudio Garcia.