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2 de setembro de 2021 - Ano 12 - Nº 641
Carreira
 

O que nos faz querer acelerar até a velocidade do podcast?
A pressa para parecer rápido, eficiente e bem-informado não é produtiva nem saudável

Outro dia um executivo me disse que acompanhava quase 50 podcasts por semana. Me senti como um carro a 20 km por hora sendo ultrapassado por uma Lamborghini a 300 km por hora. Comentei que era difícil separar tanto tempo para ter uma dedicação igual à dele e que para dar conta dos podcasts que mais me interessavam já era difícil. Ele me olhou surpreso e perguntou: “Você não acelera?”. “Não”, respondi meio sem graça. Confesso que me interessei por podcasts há relativamente pouco tempo quando me instigaram a encarar o desafio de criar um, e nunca tinha reparado no botãozinho do “speed".

Depois que ele falou sobre isso, resolvi fazer alguns testes. Na hora me lembrei das propagandas eleitorais no rádio em que a fala do locutor é acelerada bem no final, no momento de citar o nome da coligação partidária, ou daqueles anúncios de remédio que aceleram a frase: “O Ministério da Saúde adverte, se os sintomas persistirem, o médico deverá ser consultado”. Palavras que só conseguimos entender porque já tínhamos escutado mil vezes antes.

Descobrir essa façanha dos podcasts, no entanto, me levou a pensar na aceleração propriamente dita. Por que estamos tão preocupados em fazer tudo tão rápido? Rapidez para muitos pode ser um sinal de eficiência, para outros, de esperteza, e há quem veja nisso um atributo para se destacar na competição pelo melhor desempenho corporativo.

No caso do podcast, imagino que a voracidade explícita no consumo acelerado pode ter vários significados, como o medo de estar perdendo novidades, a vontade de aumentar o repertório de curiosidades para se exibir em uma roda de conversa ou até um desejo genuíno de acompanhar especialistas e aprender coisas novas. Mas com tanta oferta hoje, acho difícil conseguirmos aproveitar tudo o que ouvimos.

Ao querer abraçar o mundo de uma só vez, corremos o risco de perder aquilo que fomos buscar em primeiro lugar: a informação, o divertimento e a emoção. Ouvir um guru de bem-estar acelerado não acalma ninguém. Um conselho, uma dica ou um número podem entrar por um ouvido e sair pelo outro, se você não prestar atenção de verdade. Na tentativa de sermos ultra produtivos com nosso valioso tempo, podemos gastar minutos preciosos da nossa vida ouvindo muito e absorvendo pouco. Raymond Pastore, professor assistente de tecnologia instrutiva da Universidade da Carolina do Norte Willmington, conduziu cinco estudos que mostram uma queda enorme na compreensão em uma fala 50% comprimida ou na velocidade 2x.

De acordo com suas pesquisas, o tipo de assunto também faz diferença e afeta o nível de retenção da informação em uma audição acelerada. Tópicos mais densos, por exemplo, não são bem assimilados no “speed”. A familiaridade com o tema sempre ajuda a ter um entendimento mais rápido, segundo Pastore. Se a pessoa quiser mesmo acelerar e compreender o que está ouvindo, ele recomenda aumentar a velocidade em 1.25x e nunca, jamais, ultrapassar 1.50x. Mas, se estamos ouvindo podcasts feito loucos para termos aquela sensação de que estamos otimizando nosso tempo e nos alimentando de informação, me parece meio inútil gastar seu poder de concentração em 50 podcasts diferentes. Melhor degustar sem pressa aqueles que realmente importam.

O fato é que hoje estamos apressados para quase tudo. O confinamento na pandemia nos fez perseguir a sensação de que era preciso usar nosso tempo em casa - quando não estamos nos matando de trabalhar - para aprender coisas úteis. Mesmo depois do expediente, relaxando, pulamos a apresentação da série para ir logo para o que interessa. Para encher mais rápido a lista de livros do ano, há quem busque apps para devorar o maior número possível de resumos ou quem tenha decidido treinar o cérebro para ler mais rápido. O que, segundo especialistas, não ajuda muito, porque mesmo com muito treino somos capazes de ler apenas 200 a 300 palavras por minuto. Qualquer aceleração acima disso pode tornar a retenção da informação praticamente impossível, segundo Elizabeth Schotter, cientista cognitiva da Universidade do Sul da Flórida.

Não dá para vencer os robôs no quesito velocidade, assim como não é possível acompanhar os quase 900 mil podcasts que foram lançados apenas em 2020, de acordo com dados da empresa americana Chartable. E você pode enlouquecer só de pensar que um quarto deles este ano já postou mais de 10 episódios que você não ouviu. Então, é preciso relaxar, você sempre vai estar atrasado. A escolha deve ser seletiva e não paranoica. Lembre que a maneira como usamos e aplicamos a informação é individual e depende do repertório de cada um. As conexões e os insights são seus e de mais ninguém. Não é preciso correr para saber tudo antes.

Fonte: Valor Econômico – Stela Campos.