Twitter Facebook Instagram Facebook
21 de abril de 2022 - Ano 13 - Nº 673
Carreira
 

Se o trabalho perfeito não existe, como ser feliz na carreira?
Busque refletir sobre seu propósito e o ciclo que está construindo em cada trabalho

Durante quase 100 anos vivemos um período em que o mundo do trabalho era comandado pelas organizações. O contrato psicológico era dominado pela empresa. O plano de carreira da organização determinava o futuro das pessoas.

No final do século XX isso mudou. As mudanças vindas com a globalização fizeram da década de 1990 um grande divisor nas relações de trabalho.

As demissões em massa decorrentes das reestruturações fizeram a ideia de protagonismo na carreira ganhar força. Deixar a vida profissional na mão da empresa passou a ser arriscado. Nascia a era da empregabilidade.

Começamos a falar sobre satisfação e propósito. No século XXI, a discussão sobre realização pessoal ganhou mais força. Avaliar perspectivas de mercado e analisar oportunidades de forma permanente passaram a ser o comportamento esperado de um profissional contemporâneo.

Enquanto nas décadas anteriores ter uma boa carreira significava permanecer a vida toda em uma empresa, nos anos 2000 passamos a incentivar a busca por realização e a diversificação de experiências. O ciclo médio de permanência em uma empresa era de 14,5 anos na década de 1980. Caiu aos poucos e atingiu a média de 4,5 anos em 2010.

A escassez de profissionais qualificados favoreceu essa nova dinâmica. Os talentos determinaram uma nova ordem nas relações de trabalho. Mesmo em períodos com alto nível de desemprego, os mais qualificados passaram a escolher e mudar de emprego com mais frequência, levando as áreas de recursos humanos ao desespero para engajar seus talentos.

A revolução digital também nos colocou em um cenário de maior velocidade e imediatismo. A nossa vida vai acontecendo na velocidade alucinante dos cliques e likes. Isso trouxe uma pressão maior por crescimento nas empresas. A pandemia acelerou essa transformação. Estamos vivendo o auge do fenômeno da grande renúncia. Os pedidos de demissão motivados pelo desejo de revisar o desenho de vida e procurar novas alternativas estão em alta nas principais economias.

No Brasil, segundo dados do Caged, estamos vivendo, desde dezembro de 2021, sucessivos meses com os maiores números de pedidos de demissão da história. A luta por realização passou a determinar uma nova lógica para a discussão de carreira.

Porém, quando os movimentos são realizados sem uma reflexão sobre legado e ciclos de carreira, podem gerar trajetórias vazias e guiadas pelo mero sentido de aproveitamento do próximo espaço. Ciclos curtos, projetos inclusos e impaciência levam a trajetórias frágeis.

O protagonismo movido apenas pelo radar de um novo trabalho gera um efeito colateral grave de inconsistência na carreira - que é formada pelo conjunto de experiências de um indivíduo. Essa soma de projetos vai formando um legado.

É importante refletir sobre o quanto um trabalho está sintonizado com os interesses de carreira, mas não podemos esquecer a consistência da trajetória. Além de perguntar o que eu gostaria para a minha carreira, pergunte também o que você está construindo.

A busca pela satisfação precisa passar pelo propósito. Como afirma o brilhante escritor Simon Sinek, tudo começa pelo por que. Uma proposta com objetivos claros de carreira permite lidar com as dificuldades do dia a dia. Propósito tem relação com o conjunto de interesses e objetivos de carreira. O legado dá sustentação para a caminhada.

O trabalho perfeito não existe. Busque refletir sobre seu propósito e o ciclo que está construindo em cada trabalho. Abandone a ilusão do crescimento rápido e da alegria permanente. Do contrário, fará uma carreira em que terá que explicar por que trocou tanto de trabalho em vez de ter orgulho dos projetos que realizou. 

Fonte: Valor Econômico – Rafael Souto.