Twitter Facebook Instagram Facebook
29 de agosto de 2024 - Ano 15 - Nº 793
Normas e Resoluções
 

Mesmo quem divulga relatório de sustentabilidade terá de se adaptar para novas regras contábeis ESG
Pesquisa do Ibracon mostra que 74% dos relatórios de sustentabilidade são assegurados por auditoria independente

O número de empresas que divulgam relatórios de sustentabilidade cresceu nos últimos dois anos. Segundo levantamento feito pelo Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon), 96% das 95 maiores empresas de capital aberto do país, que compõem o índice IBrX 100 B3, já publicam os documentos com práticas ESG [sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança corporativa]. Mas, o próprio instituto alerta que isso não significa que elas devem parar por aí. Pelo contrário, a partir de 2026 será obrigatório divulgar uma série de outras informações ESG que não estão totalmente contempladas nos relatórios de sustentabilidade.

De acordo com a pesquisa "Panorama das Divulgações de Relatórios de Sustentabilidade no Brasil – Edição 2024", a primeira de uma série anual do Ibracon, 86% das companhias de capital aberto divulgaram relatórios sobre sustentabilidade neste ano com base em dados do último exercício social contábil (2023), enquanto 10% divulgaram relatórios referentes ao penúltimo exercício social (2022).

"[O relatório de sustentabilidade] é um bom ponto de partida, pois se dispõe a medir e divulgar e buscar asseguração. Mas a materialidade dele é diferente do que é requerido na nova norma", comenta Sebastian Soares, presidente do Ibracon.

Pelas normas (Resolução 193) divulgadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em outubro de 2023, companhias abertas, fundos de investimentos e companhias securitizadoras podem aderir de forma voluntária à elaboração e divulgação de relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB) de 2024 a 2026. A partir de 2026 a adesão aos chamados CBPS 01 e CBPS 02 (nomes do Brasil para o IFRS S1 e S2) será obrigatória.

Até agora poucas companhias manifestaram a intenção de aderir voluntariamente já no ano que vem. A mineradora Vale e a varejista Renner são algumas delas.

Ainda que desde 2022 já são exigidas informações ESG no Formulário de Referência, documento de entrega obrigatória para companhias supervisionadas pela CVM, nos moldes ´pratique-ou-explique´, agora, o nível de complexidade aumenta.

O presidente do Ibracon explica que a matriz de materialidade do relatório de sustentabilidade é diferente das novas exigências contábeis. Para a constituição do relatório e da estratégia ESG da empresa, ela precisa ouvir diversos stakeholdes - clientes, fornecedores, imprensa, comunidade e investidores. Quanto mais um tema aparece nas conversas, mais material ele é considerado.

"Na nova norma, a materialidade é muito próxima da demonstração financeira. Importa o que é relevante para o investidor tomar as melhores decisões de investimentos, conseguir comparar empresas de setores e até países diferentes", explica Soares. Os indicadores também são mais quantitativos.

Para ele, é esperado que, em alguns anos, as divulgações de sustentabilidade e contábil se unam em um documento só, mas isso ainda levará um tempo de avanço da maturidade das companhias.

Martha Bianchi, coordenadora da pesquisa do Ibracon, pontua que o fato de muitas companhias do IBRX divulgarem relatórios de sustentabilidade significa que elas têm estrutura dedicada ao tema ESG. Contudo, comenta, serão necessárias mudanças internas para garantir o cumprimento das novas regras, como integração e interação maior das áreas financeira, sustentabilidade e outras.

Para ela, a sustentabilidade precisa ser incorporada no dia a dia da companhia, assim como a contábil já é. Isso envolve, por exemplo, mudanças nos controles internos, acompanhamento e preparação de informações e a divulgação em si. "Por isso acredito que será um game changing [mudança de jogo]. As empresas terão de revisitar processos, estruturas internas, até contratar novos profissionais." Precisarão, completa, encarar as informações ESG "com a mesma seriedade" das financeiras.

"Um dos maiores desafios para o reporte do s1 e s2 é fazer a intersecção dos dados entre as informações quantitativas e qualitativas, tangibilizando no risco material – financeiro", comenta Fernanda Claudino, advogada, contadora e gestora ambiental, especialista no tema. Professora, consultora e conselheira. Ela explica que as informações devem ser claras e precisas e, para isso, as áreas envolvidas terão de entender em profundidade as exigências.

"A ingerência sobre a cadeia de fornecedores é parte essencial para o desenvolvimento do trabalho de informação do reporte CBPS 01 e CBPS 02, por exemplo, principalmente no que tange à pauta climática", diz Claudino. Ter uma boa gestão da cadeia de fornecedores e fazer o dever de casa com processos de rastreabilidade é um bom começo para esta jornada, segundo a especialista. "É desafiador, mas dará às companhias um alto aprendizado e diagnóstico estratégico", completa.

Prazo e verificação

O prazo de publicação certamente será um dos principais desafios. A pesquisa do Ibracon aponta que apenas 8% o fizeram no prazo que será exigido. E ainda houve quem publicasse este ano, o relatório com dados de 2022. Das companhias que divulgaram o relatório referente a 2023, 55% fizeram a divulgação até cinco meses do final do período de reporte.

No primeiro ano de divulgação obrigatória de IFRS S1 e S2, a CVM permitirá que as informações ESG sejam divulgadas em até nove meses após a publicação das demonstrações financeiras. Mas, a partir do segundo ano de vigência, 2027, em diante, não há mais margem para erro, terá de ser publicado junto com as demonstrações de resultados anuais até 31 de março.

O escopo de contratação de uma auditoria independente para assegurar que as informações são verdadeiras também muda quando a obrigatoriedade começar a valer, em 2026.

A pesquisa do Ibracon revelou que 74% dos relatórios foram submetidos à asseguração ou verificação. Desses, 72% foram assegurados por auditoria independente registrada na CVM. Mas chama a atenção, segundo Bianchi, que algumas companhias - 26% do total - que afirmam utilizar o Relatório Integrado não o submeteram à asseguração ou a asseguração não foi realizada por auditor independente registrado pela CVM, o que é uma exigência da autarquia, prevista desde 2021 (Resolução CVM 14/2020).

Enquanto estiver no período voluntário, a asseguração com auditor externo tem escopo "limitado", baseado mais nas entrevistas e sem necessidade de avaliar todos os controles internos na agenda de sustentabilidade. A partir de 2026, o escopo de asseguração passa a ser "razoável", ou seja, a empresa terá de contratar a auditoria completa das divulgações, dos controles internos e dos testes.

Além disso, chama a atenção para o fato de que a amostra do estudo é formada por companhias com padrões já altos de transparência e governança - 72% estão listadas no Novo Mercado. Se, mesmo dentre elas, algumas não divulgaram nem o relatório sobre sustentabilidade referente ao último ano, o desafio pode ser maior que o esperado.

"É animador que muitas empresas já têm divulgado seus relatórios, mas devemos lembrar que estamos vendo o topo da pirâmide, e a nova regulação exigirá mudanças a um número bem maior de companhias", comenta Bianchi.

Ela ressalta que, a partir de 2026, tudo vai precisar ser visto de forma integrada e a empresa terá de saber em nível de detalhe, como as questões de sustentabilidade impactam as questões financeiras. "Esperamos, no estudo dos próximos anos, ver um número maior de empresas e que, em 2026, elas atinjam a maturidade, ou seja, estejam divulgando, assegurando e informando o mercado com nível de informação que ele quer", diz.

A pesquisa completa foi divulgada em 27 de agosto de 2024, durante a ESG Week, semana em que o Ibracon debaterá com lives gratuitas temas pertinentes à agenda de sustentabilidade empresarial. A Ibracon ESG Week vai até dia 05 de setembro e contará com a participação de diversas entidades e empresas, tais como: Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ministério da Fazenda, Banco Central, Itaú, Vale, Mattos Filho, Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), IBGC, ISSB, Amec, Abrasca, Anbima, dentre outras.

Fonte: Valor Econômico – Naiara Bertão.