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26 de setembro de 2024 - Ano 15 - Nº 797
Carreira
 

A confiança é um hormônio
Sua falta pode adoecer a empresa

Durante mais de uma década, o neuroeconomista Paul J. Zak conduziu estudos que o ajudaram a chegar a essa descoberta que menciono no título. Não que a confiança em si seja, de fato, uma substância química produzida pelas glândulas endócrinas do nosso corpo. Na verdade, uma das teses defendidas por ele é que confiar nos comportamentos de outras pessoas faz com que o cérebro sintetize ocitocina - este sim, um hormônio natural.

Aqui, vale explicar que tal substância tem um papel significativo no comportamento humano: ela é liberada, por exemplo, em situações de proximidade física e emocional, como abraços ou interações sociais positivas. Quando essa liberação acontece, há um aumento da sensação de conexão e bem-estar, o que ajuda a criar vínculos, como os de confiança.

A partir dessa investigação, Paul criou uma avaliação que utiliza a neurociência para mostrar à liderança o que fazer mais, menos ou diferente a fim de criar uma cultura de confiança. Isso porque, apesar de a confiança ter ligação com um hormônio, a verdade é que precisamos aprender a “produzir” esse elemento nos nossos ambientes de trabalho. Ainda mais nos tempos de hoje, quando confiar parece cada vez mais difícil.

Nos últimos anos, você deve ter visto levantamentos mostrando a falta desse sentimento em relação à economia, política, instituições e até empresas.

Ao analisar os resultados deste ano da Carreira dos Sonhos, pesquisa feita desde 2002 pela Cia de Talentos, identificamos algo preocupante. Quando perguntamos ao público jovem se ele confiava em quem é colega de trabalho, 52% dos 70.162 respondentes disseram que “sim”. Detalhe: em 2018, essa taxa era de 63%. A mesma situação se repetiu com a liderança: 75% desse grupo disse, em 2018, que confiava na sua gestão direta, enquanto em 2024 esse resultado caiu para 64%.

Diante desse cenário, fica o alerta sobre a urgência de se criar e fortalecer os vínculos de confiança dentro das organizações. Não só por uma questão de “taxa hormonal”, mas pelo fato de que confiar é um verbo no qual as nossas decisões e comportamentos costumam se basear. Nós alocamos dinheiro em bancos confiando que ele estará lá quando precisarmos. Pedimos recomendações para pessoas próximas por levarmos em consideração sua palavra. E no trabalho não é diferente.

Aliás, segundo Paul J. Zak, as pessoas que trabalham em empresas de alta confiança têm 106% mais energia, são 75% mais engajadas no trabalho e 50% mais produtivas. Elas também têm a tendência de permanecer na empresa por mais tempo.

Por isso essa pauta deve estar no radar de quem exerce um cargo de líder. A ideia não é incluir outra tarefa na lista de responsabilidades da liderança, mas mostrar como o desenvolvimento desse vínculo vai, na verdade, facilitar a gestão. Afinal, como outro estudioso já explicou, o ato de confiar é a base de um time operante. De acordo com o consultor Patrick Lencioni, a primeira disfunção de uma equipe é a ausência desse recurso. Sem ele, é difícil fazer debates construtivos, solucionar problemas em conjunto, criar projetos inovadores e alcançar resultados prósperos.

Em seu livro Os cinco desafios das equipes, ele explica que a origem desse problema está na falta de disponibilidade das pessoas em se mostrarem vulneráveis dentro do grupo. Os membros da equipe que não são genuinamente abertos uns com os outros em relação aos seus erros e pontos fracos tornam impossível construir as bases para a confiança. Por isso a importância de a liderança demonstrar essa abertura, ser um exemplo de profissional que reconhece sua vulnerabilidade e se dispõe a aceitar ajuda.

Outra recomendação para construir essa base sólida é dar autonomia, encorajando e confiando na tomada de decisões do time. Reconhecer e elogiar não só o time, mas os indivíduos, é outra forma de criar uma cultura de confiança.

Perceba que essas três práticas não são uma novidade para a liderança. Na verdade, estamos falando de comportamentos que são estimulados há algum tempo, mas que nem sempre são colocados em prática. Agora você tem mais um motivo para exercitá-los no dia a dia.

Fonte: Valor Econômico – Sofia Esteves.