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13 de fevereiro de 2025 - Ano 16 - Nº 816
Carreira
 

Diversidade deve seguir em pauta no Brasil
Especialistas acreditam que não haverá grandes mudanças nas organizações presentes no país

Em 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos proibiu o uso de critérios raciais nas admissões universitárias, encerrando décadas de políticas de ação afirmativa no país. “Isso abriu margem para uma interpretação análoga por lideranças empresariais mais resistentes a ações afirmativas para questionarem as metas de diversidades das suas organizações”, explica João Yosef Torres, sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade.

Esse fato, somado à eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, contribuiu para que algumas organizações, no país, começassem a frear seus programas de diversidade, equidade e inclusão (DE&I). Entre elas estão McDonald’s, Microsoft, Amazon e Meta. Porém, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, o movimento não deve se refletir da mesma forma no Brasil, inclusive nas operações locais dessas companhias.

“Nos EUA, políticas de cotas e ações afirmativas não têm muito respaldo normativo nem institucional como têm no Brasil”, pontua Torres. “Aqui, o governo federal reafirma constantemente seu compromisso com a diversidade e a inclusão por meio de programas executivos e normativas que fortalecem ações do tipo”, diz.

Para Marcus Kerekes, CEO da Diversiteria, ainda é cedo para entender os efeitos de medidas externas em território brasileiro e prospectar cenários. “São contextos jurídicos diferentes, apesar de influenciáveis e intercambiáveis”, comenta. “A estrutura legal que temos hoje é bastante consolidada em relação a essas questões, então mesmo que a pressão aumente, é algo muito forte para se quebrar. Por isso, dificilmente vamos ver um retrocesso nesse sentido”, afirma.

No entanto, o especialista destaca que a conexão entre o Brasil e a cultura americana pode gerar “um eco” em território nacional. “Historicamente, a gente tem uma proximidade cultural com os EUA, e as filiais de empresas americanas que seguem as orientações da matriz podem cascatear algumas ações aqui”, pondera. “Os programas afirmativos de contratação podem sofrer algum tipo de impacto inicialmente, mas o Brasil já tem um histórico de mais de 30 anos de cotas para pessoas com deficiência, por exemplo”, reflete.

Ana Bavon, CEO da consultoria B4People, acredita na importância de olhar o contexto histórico ao analisar a questão. “O Brasil entrou na agenda de diversidade, equidade e inclusão meio que pela ‘porta dos fundos’ porque não foi aqui que esse tema começou a ser discutido. Passamos a falar sobre isso por determinação de agendas externas de empresas que têm sucursais estabelecidas por aqui”, detalha. “Depois, avançamos mais rápido porque temos um sistema jurídico que nos permite isso. A Constituição Federal exige que o país promova bem-estar social por meio de políticas afirmativas, diferentemente dos EUA. Nós temos um arcabouço legal muito mais robusto para trabalhar essa pauta”, conta.

A estrutura legal que temos hoje é consolidada, então mesmo que a pressão aumente, é algo muito forte para se quebrar” — Marcus Kerekes.

Por esse motivo, a especialista acredita que as companhias norte-americanas não vão poder trazer para o Brasil as definições implementadas nos EUA. “Aqui, nós temos regulamentações judiciárias para poder responder”, observa. Ela chama atenção ainda para a questão da confiabilidade: “consumidores e investidores vêm confiando nas empresas que têm investido nessa agenda e se as companhias romperem com isso podem perder muito em reputação”.

Embora não aposte em medidas extremas, Bavon revela que percebeu, no ano passado, “uma silenciosa estagnação” no que diz respeito às ações afirmativas nas organizações. “A expectativa em relação às eleições nos EUA fez com que muitas das empresas com operação no Brasil e até mesmo companhias brasileiras deixassem de investir e avançar na agenda de DE&I porque estavam tentando entender o momento”, nota.

Kerekes concorda que as empresas estão procurando se ambientar ao novo cenário, mas acredita que dificilmente o retrocesso será permanente. “Estamos falando de mudança cultural e social. Isso leva tempo e, muitas vezes, é preciso dar um passo para trás, o que serve também para as pessoas que estão no ecossistema de DE&I repensarem a mensagem e fazerem o exercício de olhar para o que aconteceu e entender como a pauta vai ser trabalhada a partir de agora.”

Torres, por sua vez, destaca que há uma percepção equivocada de que a pauta da diversidade estaria morrendo. “Se você mergulhar mais profundamente, notará que apenas 14 das [empresas da lista] Fortune 500 anunciaram redução significativa ou abandono de metas de DE&I. A maioria absoluta continua comprometida com iniciativas de inclusão”, desenvolve.

Para ele, iniciativas de DE&I não são “luxos corporativos”, mas elementos centrais para geração de valor para organizações e para a sociedade, baseadas em um cuidado absoluto de todos seus talentos. “Empresas que desistirem dessas iniciativas estão arriscando seu futuro competitivo”, alerta.

Uma pesquisa realizada pela WTW, multinacional de consultoria e corretagem de seguros, com 45 mil respondentes em 29 países, revelou que 61% das pessoas acreditam que seus empregadores fizeram progressos com a agenda de DE&I em 2024, e que 58% têm uma visão positiva dos esforços da empresa em relação ao tema.

Apesar desses índices, Cláudio Pepeleascov, head de saúde e benefícios da WTW no Brasil, acredita que existam lacunas importantes a serem trabalhadas. “As empresas fizeram grandes investimentos, mas ainda não alcançaram a plenitude do ponto de vista da percepção dos empregados”, opina. “Evoluímos, crescemos e nos desenvolvemos, mas ainda há uma jornada a ser perseguida”, reitera.

Ele explica que as pessoas decidem ir para uma companhia ou se manter na organização onde estão com base na visão que têm de seu empregador e na estruturação de programas sólidos. “Há muitas empresas que ainda estão na ‘ilusão do marketing’, apenas falando no LinkedIn que acreditam em diversidade e inclusão. Mas, dentro de casa, os colaboradores não reconhecem isso”, avalia. “[É preciso haver] coerência entre discurso e prática”, adverte.

Procuradas pelo Valor, algumas das organizações que anunciaram cortes em programas de DE&I em suas matrizes norte-americanas enviaram comunicados oficiais comentando o assunto. “No meio da evolução do debate nacional e global em torno da diversidade e inclusão, nós nos mantemos firmes nas nossas expectativas, dando prioridade à responsabilidade e continuando a nos concentrar nesse trabalho. Acreditamos que os nossos esforços contínuos para construir uma força de trabalho inclusiva, formada por uma ampla gama de pessoas com perspectivas, experiências e origens diferentes, fortalecem a nossa cultura de inclusão e ajudam a promover a inovação e a servir às necessidades do nosso negócio e dos nossos clientes”, disse a Microsoft.

A Amazon afirmou que “a empresa continua acreditando que ações de diversidade são importantes e continuará investindo em programas que auxiliem os funcionários a crescerem e se desenvolverem”. Já a Arcos Dorados, empresa que opera o McDonald’s no Brasil e em outros 19 países da América Latina, revelou estar “comprometida com a promoção de equipes de trabalho diversas e um ambiente de trabalho que estimula o respeito, a participação de todas as pessoas, favorecendo a inclusão e a igualdade de oportunidades”. O Valor entrou em contato com a Meta, e a empresa respondeu dizendo que não comentaria o assunto.

Fonte: Valor Econômico – Fernanda Gonçalves.