Quando o tema é diversidade, as mulheres vêm sendo a principal aposta do mundo corporativo. Entre as grandes companhias e instituições financeiras do país, 78,2% declaram adotar políticas ou ações afirmativas com foco na promoção da igualdade de gênero, como revela a última edição do estudo Perfil Social, Racial e de Gênero das 1100 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas, divulgado no ano passado pelo Instituto Ethos. Também segundo a pesquisa, entre as organizações com ações e metas voltadas à inclusão de grupos minoritários, 51,6% têm iniciativas para mulheres - mais que o dobro do segundo grupo mais contemplado, o de pessoas negras (21,1%).
As medidas adotadas colaboraram para avanços como o aumento da participação feminina nos conselhos de administração, de 11% em 2015 para 18,6% em 2023, ressalta o relatório. Outro destaque é a presença significativa das mulheres entre os trainees, que subiu de 57,4% para 72,5% no período, com o impulso de ações afirmativas com foco na contratação de recém-formadas.
No quadro executivo, a parcela passou de 9% em 2003 para 27,4% em 2023. “Nós tivemos uma melhoria quantitativa importante, com mais mulheres entrando e avançando no mercado de trabalho, mas ainda há muito o que avançar”, diz Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulher 360. As estatísticas lhe dão respaldo: apesar da maior escolaridade, as mulheres no Brasil enfrentam na carreira um funil mais apertado, têm ganhos menores e estão mais expostas ao risco do desemprego.
Com salário médio de R$ 3565 em 2023, elas receberam 20,7% a menos do que os homens, indica o relatório Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado no ano passado e realizado com base em dados de 50,6 mil empresas privadas com pelo menos cem funcionários. Números do IBGE apontam para a mesma direção, com disparidade de 21,1% entre os gêneros no rendimento do trabalho - variação que cresce para 39% quando só consideradas as pretas ou pardas.
No rumo oposto, as mulheres são maioria (60,3%) entre os concluintes dos cursos presenciais de graduação, segundo o Censo da Educação Superior de 2022. Com uma ressalva: elas eram apenas 22% dos formandos em ciências, tecnologias, engenharias e matemática, áreas frequentemente mais bem remuneradas.
Em casa, a divisão desigual do trabalho também pesa. Elas dedicam, em média, 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e cuidados com pessoas - quase dez horas a mais do que os homens. E essa carga adicional contribui para que a parcela das mulheres na força de trabalho (53,1%) seja significativamente menor que a dos homens (72,7%), como avalia André Simões, analista do estudo Estatísticas de Gênero do IBGE, com base em dados do último trimestre de 2024.
As taxas de desemprego também são maiores entre elas - 7,6% no último trimestre de 2024, ante 5,1% entre os homens. E, para as que já estão empregadas, quanto mais perto do topo da pirâmide hierárquica, menor a chance de promoção.
“Faz tempo que temos mais mulheres se formando nas melhores universidades, entrando no mercado de trabalho e não conseguindo crescer na carreira”, diz Sílvia Fazio, diretora-presidente da ONG Women in Leadership in Latin America (Will). “A mulher tende a parar no nível de gerência ou um pouco antes.”
Segundo pesquisa realizada em 2023 e 2024 pelo Instituto Ethos, as mulheres eram maioria entre os trainees (72,50%), aprendizes (57,4%) e estagiários (54,50%) nas 1100 maiores empresas no país. Mas essa participação encolhe conforme os cargos avançam: 37,3% na gerência, 27,4% na diretoria e 18,6% nos conselhos de administração.
Parte das barreiras são mais explícitas, como a escassez de políticas corporativas de trabalho flexível e pró-família. “Existe nas empresas um viés muito forte que entende maternidade como obstáculo e não como impulso. Mas sabemos que, ao se tornarem mães, mulheres desenvolvem muitas habilidades e competências necessárias para uma boa liderança, como capacidade de gestão, autogestão e resolução de conflitos”, diz Goldenberg.
Outros obstáculos podem ser invisíveis, caso da valorização de características tidas como masculinas. “Muitos modelos de avaliação de competências ainda privilegiam um perfil ultrapassado de líder: autocrático, autoritário, sem empatia, que não demonstra vulnerabilidades e evita escuta e trocas”, afirma Goldenberg.
Critérios desiguais de avaliação também jogam contra funcionárias nas empresas. É que, segundo o relatório Women in the Workplace 2024, da consultoria McKinsey, homens são promovidos com base no seu potencial percebido, enquanto mulheres precisam provar desempenho.
A própria predominância dos homens no comando tende a perpetuar a desigualdade. “Os iguais se promovem”, diz Lorena Hakak, presidente da Sociedade de Economia da Família e do Gênero (GeFam) e professora da Fundação Getúlio Vargas.
É o que especialistas chamam de viés de afinidade - a tendência de preferência por aqueles com quem compartilham interesses, origens, experiências ou aparência. “Se quem está na cadeira de liderança é um homem, existe mais probabilidade de afinidade com alguém mais parecido, como outro homem”, diz Thalita Gelenske, CEO e fundadora da Blend Edu, empresa especializada em consultoria e pesquisas na área de diversidade corporativa.
Afinidades também nascem fora do escritório. “Muitas das conexões sociais são criadas em momentos como no happy hour, partidas de futebol entre colegas ou jantares com clientes”, exemplifica Hakak. “E, dependendo da situação familiar, as mulheres não podem comparecer a esses momentos informais que podem definir promoções.” Fazio pensa parecido: “Networking é chave para uma pessoa continuar crescendo na carreira, e a mulher, principalmente com criança pequena, geralmente tem uma dificuldade grande nisso”.
No dia a dia do trabalho, mulheres também são mais sujeitas às chamadas microagressões, hostilidades sutis (ou nem tanto) que minam a ascensão profissional. Entre as funcionárias das 281 companhias pesquisadas em 2024 pela McKinsey, 39% relataram ter sido interrompidas em reuniões, em comparação com 20% dos homens. E 38% disseram terem tido a capacidade de discernimento questionada em sua área de especialização - parcela que cai para 26% entre os colegas homens. Episódios como esses colaboram para evasão de profissionais. “Mulheres que experimentaram microagressões são 2,7 vezes mais propensas a considerar deixar a companhia”, afirma o estudo.
Fonte: Valor Econômico – Carin Petti. |