Vivemos a era da personalização do trabalho. Carreiras não seguem mais rotas lineares, tampouco se sustentam em longas permanências no mesmo cargo. A promessa de evolução profissional já não cabe em organogramas rígidos ou em discursos genéricos sobre crescimento. No mundo do trabalho, onde a fluidez das carreiras e protagonismo são palavras de ordem, um comportamento nocivo segue firme: o bloqueio à mobilidade interna de talentos.
A mais recente pesquisa da consultoria Gartner escancara essa contradição. Nada menos que 82% dos profissionais não se sentem encorajados por seus líderes a explorar novas possibilidades dentro da empresa. Em outras palavras, a maioria sente que falar sobre movimento é romper um pacto silencioso de lealdade.
O problema se amplia quando, no mesmo estudo, apenas 45% dos líderes acreditam que conseguiriam atingir suas metas se perdessem um talento do time para outra área. Ou seja, não querem estimular movimentos internos, mesmo que isso custe o engajamento ou a permanência deles na organização. Funcionam como bloqueadores de pessoas. Cresceram na era do comando e controle. Entendem que são donos das pessoas do seu time.
Essa dinâmica, que batizei de síndrome do talento cativo, expõe uma disfunção silenciosa: líderes que elogiam seus talentos, mas sabotam as movimentações por medo de perder performance, status ou controle. Em vez de formarem sucessores e estimularem o crescimento, preferem reter pelo cansaço, desestimulando qualquer tentativa de evolução fora dos limites do próprio time. Articulam bloqueios com outros gestores pelo argumento de que seria o melhor para o negócio.
O problema vem piorando. Em 2022, 78% dos funcionários não se sentiam encorajados a buscar oportunidades internas. O número subiu para 82% em 2024. A contramão de uma era que clama por autonomia, diálogos francos e carreiras com sentido.
A consequência é óbvia: quando não há espaço para se mover por dentro, o talento busca alternativas fora. E leva com ele sua bagagem e sua cultura. Recente pesquisa do LinkedIn mostrou que 61% dos funcionários estariam abertos a buscar novas oportunidades no mercado caso não percebam chances de desenvolvimento na empresa que trabalham.
Outro ponto crítico é a falta de segurança psicológica para falar abertamente sobre a carreira. Muitos profissionais temem represálias ou rótulos ao sinalizar desejo de mudança. A ausência de um ambiente que acolha essas conversas só reforça a ideia de que movimentar-se internamente é um tabu.
Mais do que uma questão de processos ou vagas disponíveis, estamos diante de um desafio cultural. Mobilidade interna precisa ser entendida como estratégia de engajamento e não como risco operacional. É também fundamental considerar que os movimentos não são necessariamente promoções verticais de cargo, podem ser mudanças laterais ou projetos temporários. O alto engajamento vem da possibilidade de cada um construir sua carreira com liberdade e apoio da liderança.
A solução passa pela formação de gestores conscientes que compreendam seus papéis em desenvolver pessoas e percebam os benefícios da cultura de livre movimentação dos talentos. Associado ao papel do líder, a organização precisa também definir as diretrizes sobre o tema.
Empresas que rompem a lógica do talento cativo colhem mais do que retenção. Colhem vitalidade, protagonismo e marca empregadora fortalecida.
Engajar é permitir movimento. E liderança, no século XXI, é saber formar talentos com sabedoria e não aprisioná-los pelo medo.
Fonte: Valor Econômico – Rafael Souto. |